sábado, 31 de julho de 2010

O bom ladrão - Fernando Sabino

O bom ladrão é um livro atraente do começo ao fim. Conta a história de Isabel e Dimas, um casal jovem que de repente se vê em questões embaraçosas de pequenos furtos. A príncípio, o autor nos leva a crer que Isabel é cleptomaníaca e que seu marido a protege, não no sentido de ser apenas conivente ( o que ele acaba se tornando de uma maneira ou de outra), mas de poupá-la de um vexame se for descoberta.

Fernando Sabino discorre envolvendo o casal a dilemas como de Capitu e Bentinho, de Dom Casmurro, clássico de Machado de Assis, e também do romance de Eça de Queiroz, o primo basílio. Quando a pergunta principal é: se houve ou não traição, quando Isabel decide hospedar em sua casa o Garcia, primo de sua mãe, e também o fato de Isabel sair todas as noites e chegar tarde, para desespero de Dimas, que morre de ciúmes.

O personagem se vê numa trama excitante entre o furto e o perigo de ser descoberto, de proteção a Isabel, deixando que ela realizasse seu roubo sozinha ou, as vezes, ajudando -a., chegando ao ponto cuminante do delírio, ao ponto de não saber distinguir realidade e fantasia, como podemos ler a seguir:

Hoje, depois de tanto tempo, volto a me indagar com quem estaria a verdade: comigo ou com Isabel. Em certos momentos, sou levado a acreditar que não estive nem com um nem com outro – ou melhor, com ambos: naquele plano entre a realidade e a imaginação, em que se unem os contrários e a verdade passa a depender do ponto de vista em que nos colocamos.


Os comentários sobre ela que se faziam na redação, por exemplo, talvez não passasse de irreverentes brincadeiras, comum entre companheiros de jornal. Seus encontros com Garcia podiam perfeitamente ser fortuitos e não haver nada entre eles. E os incidentes envolvendo canetas, objetos de uso cotidiano, que eventualmente trocaram de mãos, nada levaram a concluir em relação ao envolvimento dela. Aquele que ocasionou a minha prisão, mais grave, continua inexplicável: havia realmente uma bolsa, contendo objetos de valor, escondida atrás de um armário em nossa casa. Que a colocou ali? O Garcia, talvez? Ele estava presente no dia em que foi encontrada pela polícia.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Felicidade clandestina e outros contos

Felicidade clandestina e outros contos é uma reunião de contos da escritora Clarice Lispector.

Este livro começa com o conto "felicidade clandestina" que, considero eu, um dos melhores contos dela. Ele fala da infância, dos sonhos e da crueldade infantil. Nesse conto Clarice fala da menina que gosta dos livros e não pode tê-los e da amiga que tem e não os lê e sabendo que sua amiga deseja avidamente mergulhar no mundo dos livros, começa uma tortura chinesa, psicológica e isso, ao invés de desestimular aquela menina, produz maior vontade e expectativa, a ponto de torná-la persistentemente acima das desilusões.

A mensagem - É o segundo conto. Fala de dois jovens em busca da identidade pessoal, um lugar no mundo. Talvez ele remeta o desejo de todos os jovens, o de ser diferente dos demais em querer buscar um sentido particular para a vida e para o meio em que habitam. Num determinado momento e sem perceber, os jovens crescem e aos poucos percebem que estão se tornando comuns à sociedade que os cercam. A mensagem é um conto peculiar, que nos leva a pensar sobre aquilo que éramos e o que nos tornamos.

A quinta história - É um conto curto, fala sobre baratas, sobre o assassinato e o desprendimento da culpa em favor de um bem maior:  uma casa sem baratas.

Mal estar de um anjo - Este é um conto interessante e engraçado ao mesmo tempo. Conta uma história corriqueira, algo que pode aconteeer com qualquer um de nós: Dividir um taxi em pleno temporal. Acontece que ao ceder um lugar no taxi, a personagem é chamada de "anjo" e este título começou a pesar-lhe os ombros, quis desfazer-se de toda bondade, requerendo a sua vontade em primeiro lugar.

O crime do professor de matemática -  Conto comovente. Fala da lealdade dos cães e da traição humana.

O ovo e a galinha -  Conto interessante sobre um ovo. Neste conto é que a genialidade de Clarice vem à tona. Ela escreve magistralmente sobre os assuntos mais simples e corriqueiros da vida.

Os desastres de Sofia -  Este é o primeiro conto de Clarice que li na vida.Fala de uma garotinha e seu professor de primário. Ela o infernizava, não por ódio, mas por amor. Amor puro e infantil que desejava libertar aquele homem de sua profissão indesejada. Seu amor era facilmente confundido com ódio, assim como são todos os amores de vida real, só se pode odiar alguém, cuja pessoa já amou.

Uma amizade sincera - Como o próprio nome diz, fala de amizades sinceras...


O livro é de leitura fácil. Gostoso de ler, de penetrar nas histórias e trazê-las para a realidade de nossas vidas.

domingo, 25 de julho de 2010

Ler deveria ser proibido

A pensar fundo na questão, eu diria que ler devia ser proibido.


Afinal de contas, ler faz muito mal às pessoas: acorda os homens para realidades impossíveis, tornando-os incapazes de suportar o mundo insosso e ordinário em que vivem. A leitura induz à loucura, desloca o homem do humilde lugar que lhe fora destinado no corpo social. Não me deixam mentir os exemplos de Don Quixote e Madame Bovary. O primeiro, coitado, de tanto ler aventuras de cavalheiros que jamais existiram meteu-se pelo mundo afora, a crer-se capaz de reformar o mundo, quilha de ossos que mal sustinha a si e ao pobre Rocinante. Quanto à pobre Emma Bovary, tomou-se esposa inútil para fofocas e bordados, perdendo-se em delírios sobre bailes e amores cortesãos.


Ler realmente não faz bem. A criança que lê pode se tornar um adulto perigoso, inconformado com os problemas do mundo, induzido a crer que tudo pode ser de outra forma. Afinal de contas, a leitura desenvolve um poder incontrolável. Liberta o homem excessivamente. Sem a leitura, ele morreria feliz, ignorante dos grilhões que o encerram. Sem a leitura, ainda, estaria mais afeito à realidade quotidiana, se dedicaria ao trabalho com afinco, sem procurar enriquecê-la com cabriolas da imaginação.


Sem ler, o homem jamais saberia a extensão do prazer. Não experimentaria nunca o sumo Bem de Aristóteles: o conhecer. Mas para que conhecer se, na maior parte dos casos, o que necessita é apenas executar ordens? Se o que deve, enfim, é fazer o que dele esperam e nada mais?


Ler pode provocar o inesperado. Pode fazer com que o homem crie atalhos para caminhos que devem, necessariamente, ser longos. Ler pode gerar a invenção. Pode estimular a imaginação de forma a levar o ser humano além do que lhe é devido.


Além disso, os livros estimulam o sonho, a imaginação, a fantasia. Nos transportam a paraísos misteriosos, nos fazem enxergar unicórnios azuis e palácios de cristal. Nos fazem acreditar que a vida é mais do que um punhado de pó em movimento. Que há algo a descobrir. Há horizontes para além das montanhas, há estrelas por trás das nuvens. Estrelas jamais percebida. É preciso desconfiar desse pendor para o absurdo que nos impede de aceitar nossas realidades cruas.


Não, não dêem mais livros às escolas. Pais, não leiam para os seus filhos, pode levá-los a desenvolver esse gosto pela aventura e pela descoberta que fez do homem um animal diferente. Antes estivesse ainda a passear de quatro patas, sem noção de progresso e civilização, mas tampouco sem conhecer guerras, destruição, violência. Professores, não contem histórias, pode estimular uma curiosidade indesejável em seres que a vida destinou para a repetição e para o trabalho duro.


Ler pode ser um problema, pode gerar seres humanos conscientes demais dos seus direitos políticos em um mundo administrado, onde ser livre não passa de uma ficção sem nenhuma verossimilhança. Seria impossível controlar e organizar a sociedade se todos os seres humanos soubessem o que desejam. Se todos se pusessem a articular bem suas demandas, a fincar sua posição no mundo, a fazer dos discursos os instrumentos de conquista de sua liberdade.


O mundo já vai por um bom caminho. Cada vez mais as pessoas lêem por razões utilitárias: para compreender formulários, contratos, bulas de remédio, projetos, manuais etc. Observem as filas, um dos pequenos cancros da civilização contemporânea. Bastaria um livro para que todos se vissem magicamente transportados para outras dimensões, menos incômodas. E esse o tapete mágico, o pó de pirlimpimpim, a máquina do tempo. Para o homem que lê, não há fronteiras, não há cortes, prisões tampouco. O que é mais subversivo do que a leitura?


É preciso compreender que ler para se enriquecer culturalmente ou para se divertir deve ser um privilégio concedido apenas a alguns, jamais àqueles que desenvolvem trabalhos práticos ou manuais. Seja em filas, em metrôs, ou no silêncio da alcova... Ler deve ser coisa rara, não para qualquer um.


Afinal de contas, a leitura é um poder, e o poder é para poucos.


Para obedecer não é preciso enxergar, o silêncio é a linguagem da submissão. Para executar ordens, a palavra é inútil.


Além disso, a leitura promove a comunicação de dores, alegrias, tantos outros sentimentos... A leitura é obscena. Expõe o íntimo, torna coletivo o individual e público, o secreto, o próprio. A leitura ameaça os indivíduos, porque os faz identificar sua história a outras histórias. Torna-os capazes de compreender e aceitar o mundo do Outro. Sim, a leitura devia ser proibida.


Ler pode tornar o homem perigosamente humano.

[Guiomar de Grammon]


* Texto retirado daqui